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DIREITOS HUMANOS EM TEMPOS DE PANDEMIA


Renato Rua de Almeida, presidente do IJMB


Entre os trinta direitos humanos catalogados pela Declaração dos Direitos do Homem da ONU, encontra-se no artigo 23 o direito ao trabalho e à proteção contra o desemprego como um dos mais afetados em tempos de pandemia do novo corona vírus (Covid 19).Por essa razão, sem desconsiderar o conjunto dos direitos humanos, será feito, na presente apresentação, um corte epistemológico com a análise específica das consequências nefastas da pandemia do novo corona vírus no direito ao trabalho e à proteção contra o desemprego, bem como sobretudo das possíveis saídas para superá-las.Com efeito, na América Latina, somente o Brasil, com uma população de 212 milhões de habitantes, chegou a 14 milhões de desempregados, quatro vezes a população do Uruguai, grande parte em virtude da pandemia do novo corona vírus, que afetou profundamente a atividade econômica das empresas privadas gerando desemprego em massa.É importante ressaltar o efeito devastador do desemprego na vida familiar dos trabalhadores e dos mais pobres, considerada a média de cinco pessoas por família, que têm despesas recorrentes com alimentação, aluguel, água e luz, além de – o que é pior – uma sensação de perda ou diminuição da autoestima, e, como diz o Papa Francisco nas Encíclicas Laudato Si´ e Fratelli Tutti, uma sensação de ser descartável na sociedade.Assim, impõe-se identificar o valor dos direitos humanos, e, em particular o direito ao trabalho e à proteção contra o desemprego, para melhor compreensão da necessidade da superação das mazelas do desemprego provocadas pela pandemia do novo corona vírus.A propósito, assim se expressa o Compêndio da Doutrina Social da Igreja no Capítulo III, item IV:“O movimento rumo à identificação e à proclamação dos direitos humanos do homem é um dos mais relevantes esforços para responder de modo eficaz às exigências imprescindíveis da dignidade humana”.E, especialmente, no que concerne ao valor do direito ao trabalho, assim se expressa o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, em seu Capítulo VI, item IV:“O trabalho é um direito fundamental e é um bem para o homem: um bem útil, digno dele porque apto a exprimir e a acrescer a dignidade humana. A Igreja ensina o valor do trabalho não só porque este é sempre pessoal, mas também pelo caráter de necessidade”.Portanto, em primeiro lugar, para a promoção do direito ao trabalho e à proteção contra o desemprego em tempos de pandemia, como direito humano, o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, no Capítulo IV, apresenta os seguintes princípios a serem seguidos, a saber: princípio da dignidade da pessoa humana, princípio do bem comum, e, especialmente, os princípios da solidariedade e da subsidiariedade.A propósito, o papa Francisco, na recente Encíclica Fratelli Tutti, capítulo V, item 187, ressalta que “o princípio subsidiariedade é inseparável do princípio da solidariedade”.Faz-se necessário, desta forma, examinar a promoção do direito ao emprego e do combate ao desemprego à luz especialmente dos princípios da solidariedade e da subsidiariedade.Em segundo lugar, com o corte epistemológico ora feito, é mister examinar o conceito dos princípios da solidariedade e da subsidiariedade e sua efetiva contribuição para a superação das mazelas do desemprego em tempo de corona vírus.O fundamento do princípio da solidariedade é apresentado pelo Compêndio da Doutrina Social da Igreja, em seu Capítulo VI, item VI, da seguinte forma:“A solidariedade confere particular relevo à intrínseca sociabilidade da pessoa humana, à igualdade de todos em dignidade e direitos, ao caminho comum dos homens e dos povos para uma unidade cada vez mais convicta”.Portanto, é a força da solidariedade entre os homens de boa vontade em toda a América Latina, em especial nos países em que existem os Institutos Jacques Maritain – em homenagem sobretudo à sua doutrina do humanismo integral intimamente ligada ao princípio da solidariedade – que faz com que se busque a promoção do direito ao emprego e do combate ao desemprego em favor dos trabalhadores e pobres nesses tempos de corona vírus.O princípio da solidariedade traduz-se, por exemplo, nas políticas públicas com medidas como a adotada pelo Brasil através de programa emergencial de manutenção de emprego e renda, implicando medidas trabalhistas entre empregados e empregadores para suspensão do contrato de trabalho ou redução da jornada de trabalho, ficando o Estado com a obrigação do pagamento de abonos emergenciais e proporcionais em relação à suspensão do contrato de trabalho e à redução da jornada diária de trabalho – Medida Provisória nº 936, de 01 de abril de 2020, depois transformada em lei federal.Essa medida provisória beneficiou especialmente milhares de micro e pequenas empresas, que empregam 60% da força de trabalho brasileira, viabilizando sua atividade econômica, bem como milhões de trabalhadores, que tiveram seus postos de trabalho mantidos com a garantia do recebimento do abono emergencial pelo Estado.Outra medida importante, ainda em estudo pelo Estado brasileiro, é a instituição da renda básica para os pobres e trabalhadores desempregados.Trata-se, portanto, de política pública de Estado e não de governo, já que a Constituição Federal brasileira de 1988 prevê em seu artigo 3º, inciso I, que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, dentre outros, construir uma sociedade livre, justa e solidária.Mas, mesmo que fosse uma política pública justa e solidária de determinado governo de plantão, em relação ao qual se pode estar em oposição politica e partidária, é dever de todo cidadão, como pessoa de boa vontade, aplaudi-la por combater os efeitos maléficos da pandemia do novo corona vírus no que concerne ao direito humano do pleno emprego, conforme nos recomenda o Papa Francisco, em sua homilia proferida na Basílica de São Pedro, em 29 de junho de 2020, quando diz:“Peçamos a graça de saber rezar uns pelos outros. São Paulo exortava os cristãos a rezar por todos, mas em primeiro lugar por quem governa (cf. 1 Tim 2, 1-3) …Deixemos que Deus os julgue! Nós rezemos pelos governantes. Rezemos…Precisam da nossa oração. É uma tarefa que o Senhor nos confia”.No entanto, pode-se dizer que certamente a medida mais eficaz de solidariedade em função do direito ao trabalho seja uma política pública de empregabilidade resultante da atividade econômica exitosa das empresas privadas, para o que muito concorre o princípio da subsidiariedade, lembrando a afirmação acima mencionada do Papa Francisco, na Encíclica Fratelli Tutti, da íntima dependência entre os princípios da solidariedade e da subsidiariedade.Para tanto, é de se examinar o conceito do princípio da subsidiariedade e sua relação complementar com o princípio da solidariedade.É mais uma vez o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, em seu Capítulo IV, inciso IV, que, ao tratar do princípio da subsidiariedade, descreve:“A exigência de tutelar e de promover as expressões originárias da sociabilidade é realçada pela Igreja na Encíclica Quadragésimo anno, em que o princípio da subsidiariedade é indicado como princípio importantíssimo da filosofia social… Com base nesse princípio, todas as sociedades de ordem superior devem propor pôr-se em atitude de ajuda (subsidium) – e portanto de apoio, promoção e incremento –em relação às menores…O princípio da subsidiariedade protege as pessoas dos abusos das instâncias sociais superiores e solicita estas últimas a ajudarem os indivíduos e os corpos intermédios a desempenhar as próprias funções. Este princípio impõe-se porque cada pessoa, família e corpo intermédio tem algo de original para oferecer à comunidade”.A propósito, Jacques Maritain em sua importante obra de filosofia política, escrita em 1953, denominada o Homem e o Estado, afirma o seguinte:“Assim, não só a comunidade nacional, mas também todas as comunidades da Nação, se integram na unidade superior do corpo político. Mas o corpo político também contém, em sua unidade superior, as unidades domésticas, isto é, as famílias, cujos direitos e liberdades essenciais lhe precedem, bem como um grande número de outras sociedades particulares que procedem da livre iniciativa dos cidadãos e deveriam ser tão autônomas quanto possível. Eis porque o elemento pluralístico é inerente a toda sociedade verdadeiramente política. A vida familiar, econômica, cultural, educativa, religiosa, tem tanta importância para a própria existência e prosperidade do corpo político como a própria vida política…Visto como, na sociedade política, a autoridade vem de baixo, através do povo, é lógico que todo o dinamismo da autoridade no corpo político deva ser constituído por autoridades particulares e parciais, sobrepondo-se umas às outras, até chegar à autoridade suprema do Estado…Não há dúvida de que todas as coisas grandes e poderosas têm uma tendência instintiva e uma tentação especial a ultrapassar os seus próprios limites. O poder tende a aumentar o poder; a máquina do poder tende incessantemente a expandir-se; a máquina suprema legal e administrativa tende a uma autossuficiência burocrática e gostaria de considerar-se a si mesma como um fim e não como um meio. Aqueles que se especializam em assuntos relativos ao todo tem a propensão de se julgar como o todo: os estados-maiores vêm a considerar-se como sendo todo o exército, as autoridades da Igreja como sendo toda Igreja, o Estado como sendo todo o corpo político”O grande entrave do desenvolvimento do princípio da subsidiariedade como complemento do princípio da solidariedade para a promoção do direito ao emprego e ao combate do desemprego é a hipertrofia do Estado sobretudo na atividade econômica no lugar da empresa privada.Deve-se, porém, entender por empresa privada, segundo Maritain em O Homem o Estado, aquela que, pela forma de socialização, isto é, com conotações personalistas e pluralistas, institui-se com um processo integração social através do qual a associação numa determinada empresa se estende não apenas ao capital invertido pelo empresário, mas também aos trabalhadores, com sua participação na gestão e na propriedade por meio de ações, enfim uma empresa privada estruturada como uma “comunidade de trabalho”, no dizer de Maritain em sua obra Os direitos do homem e a lei natural.A propósito, sobre essa questão, o Papa São João Paulo II, em sua Encíclica Centesimus Annus, propugna por uma sociedade de trabalho com a empresa livre e participativa na vida social e econômica, sendo um contraponto às empresas ainda estatizadas, como nos sistemas socialistas, em que a liberdade econômica inexiste, em desrespeito ao direito natural.Ao Estado, na ordem econômica, cabe uma função supervisora e fiscalizadora da atividade econômica exercida pela empresa privada estruturada democraticamente com a participação dos trabalhados em todas as dimensões de sua vida interna.No Brasil, o Estado atua, por exemplo, na atividade econômica através das Agências Reguladoras dos meios de comunicação, água, etc., e através do CADE (Conselho Administrativo de Desenvolvimento Econômico) do Ministério da Justiça, para controle da aplicação da legislação antitruste, um vez que a atividade econômica, pelo artigo 173 da Constituição Federal, deve ser exercida pela empresa privada.Ademais, o Estado moderno, sobretudo em países de economia em desenvolvimento, como na Amárica Latina, tem o papel de promover políticas públicas nas áreas da saúde, educação e segurança pública, na linha da descentralização e desestatização, num regime personalista e pluralista, segundo Maritain em o Homem e o Estado.É também Maritain, em o Homem e o Estado, quem afirma que o Estado administra mal a atividade econômica, por diversas razões, como a falta da continuidade administrativa, em razão da alternância do poder, e o exemplo mais notável é que mais de 60% dos lares brasileiros não têm serviço básico de esgoto em razão da incúria e falta de recursos do Estado para promovê-lo.Com a aprovação legal da descentralização e desestatização do serviço básico de saneamento, prevê-se um investimento privado de 700 bilhões de reais (140 bilhões de dólares), com o prazo de 10 anos para a solução universal de do saneamento básico no Brasil.Em conclusão, é de se esperar que o direito ao trabalho e ao combate ao desemprego, como direito humano, profundamente atingido na América Latina em tempos do novo corona vírus (Covid 19), seja recuperado com a aplicação à realidade social e econômica dos países membros dos princípios da solidariedade e da subsidiariedade, fazendo com que, especialmente, uma política pública de desenvolvimento econômico e da promoção da atividade econômica exercida pela empresa privada, em especial as micro e pequenas empresas, promova a empregabilidade e a renda para os trabalhadores desempregados, e, para os pobres, a efetivação de uma política pública de renda básica.

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